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Entre Jung, Jesus e os Arquétipos: compaixão, Eros e a dança entre a criança e o sábio

  • martinezmonica6
  • há 21 horas
  • 4 min de leitura

Cena noturna simbólica com três crianças adormecidas e uma figura em pé envolta em sombra e luz, representando a compaixão e os arquétipos na psicologia analítica de Jung.
O gesto humano da compaixão antecede qualquer julgamento.

Quatro dias sem energia elétrica nos devolvem algo raro: tempo para pensar. E, ao revisitar mentalmente os momentos-chave das minhas leituras em 2025, um trecho específico se impôs com clareza. Ele está no livro C. G. Jung – seu mito em nossa época, de Marie-Louise von Franz (Cultrix, 2025), obra escolhida para meu Grupo de Leituras de Mulheres que Narram Jung.


Marie-Louise von Franz conheceu Carl Gustav Jung aos 18 anos, em 1933, e manteve com ele uma relação intelectual e clínica até sua morte, em 1961. Foram quase trinta anos de trabalho direto, o que explica por que ela se tornou uma das maiores autoridades mundiais em psicologia analítica e no pensamento junguiano.


Nas páginas 32 e 33, von Franz afirma que Jung possuía um profundo amor pelos seres humanos, o que às vezes o levava — aqui entra no característico “humor alemão” dela — a ter simpatia por pacientes que “nem sempre o mereciam”. Para ilustrar, Jung gostava de contar a história de seu cão schnauzer cinza, Joggi, que certa vez ficou com a pata presa na porta. Quando Jung tentou libertá-lo, o cão o mordeu — não por maldade, mas por causa da dor.


Com um sorriso, Jung costumava concluir: “Os pacientes às vezes também fazem isso.”

Von Franz recorda ainda um episódio em Bollingen, quando uma mulher “estranha, perturbada e desagradável” invadiu a tranquilidade do lugar e deixou Jung completamente exausto com seus problemas. Ao ser repreendido por não ter se protegido, ele respondeu com gravidade:


A vida tem sido tão cruel com algumas pessoas que não se pode julgá-las mal por serem deformadas.


A palavra “deformado” é forte. Etimologicamente, refere-se àquilo que perdeu ou teve alterada sua forma original, que foi descaracterizado. Von Franz completa essa reflexão ao afirmar que o princípio de Eros — a compaixão do médico curador — é decisivo para compreender Jung e, por extensão, a prática da psicologia analítica.


Essa ideia da compaixão como eixo simbólico reapareceu para mim em outro contexto. Em 2025, tive o prazer de ser convidada a escrever para a seção MythBlast, da Joseph Campbell Foundation, refletindo sobre o arquétipo do profeta (leia aqui https://www.jcf.org/post/between-the-matrix-and-the-chosen-a-journey-into-the-prophet-archetype). Confesso que fiquei dividida entre escrever sobre Matrix, com seu Neo relutante, ou sobre Jesus, na série The Chosen. Acabei escolhendo ambos, entendendo-os como expressões complementares do mesmo arquétipo.


Em The Chosen, uma das cenas que mais me tocou ocorre na quinta temporada, quando Jesus vai ao Getsêmani, pouco antes de ser entregue aos romanos. O episódio está em Marcos 14:32-52. Jesus pede que João, Pedro e Tiago o acompanhem e vigiem. Ele ora, ajoelha-se, encosta o rosto no chão e pede que, se possível, aquela hora de sofrimento lhe seja poupada. Ao retornar, encontra os discípulos dormindo — três vezes, como nos contos de fada.


Na série, porém, há uma licença poética comovente: ao voltar pela segunda vez, Jesus vê os discípulos deitados no chão dormindo como crianças. E, em vez de irritação, seu coração se enche de compaixão.


Foi impossível não estabelecer uma ponte entre o sentimento de Jung por seus pacientes — marcados por histórias de dor que os afastaram de sua forma original — e o sentimento de Jesus por seus discípulos exaustos, incapazes de manter os olhos abertos. Ambos reconhecem a fragilidade humana sem julgamento.


Ainda assim, algo me inquietava: a ideia implícita de que analistas estariam “mais enformados” do que seus pacientes, ou de que os discípulos seriam apenas “menos despertos” do que Jesus — como Budas adormecidos, segundo outra tradição.


Essa inquietação encontrou uma curiosa resposta em um episódio recente. No último fim de semana, uma sensitiva perguntou se poderia ler minha aura. Aceitei, com respeito por todas as tradições. Ela pediu que eu dissesse meu nome três vezes em voz alta e descreveu uma imagem: ela via várias crianças — algo como a Turma da Mônica, disse — e, ao fundo, um homem mais velho, semelhante a Maurício de Souza, que gostava muito e zelava por mim.


Na hora, confesso, a imagem não fez muito sentido. Agradeci e parti. Mas horas depois, refletindo com calma (sim, quatro dias sem energia elétrica ampliam esse tipo de escuta interior), senti uma profunda paz ao perceber que ela falava do arquétipo do sábio — o mesmo sobre o qual escrevi este ano para a Joseph Campbell Foundation, no texto The Lord of the Rings: Transforming Elderness (leia aqui  (https://www.jcf.org/post/the-lord-of-the-rings-transforming-elderness).


Em certo sentido, os arquétipos encontram-se em nós, despertos ou dormentes. O arquétipo da criança — como Jesus vê seus discípulos — e o arquétipo do sábio — como Jung encarnou ao longo da vida — não são opostos, mas dimensões conectadas. Estamos em uma dança simbólica, ora acessando um, ora outro, conforme os papéis e/ou personas que se manifestam em cada momento.


Essa compreensão me trouxe leveza. Está tudo certo como está, desde que consigamos encontrar sentido e significado naquilo que nos acontece — exatamente como propõe a psicologia analítica de Jung.


Em tempo: o Grupo de Leituras de Mulheres que Narram Jung está com inscrições abertas para 2026. A participação é gratuita.Informações completas em: https://www.monicamartinez.com.br/products/grupos-de-leitura-de-obras-do-campo


Monica Martinez

 
 
 

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