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A imaginação ativa de Erich Neumann



mandala de Erich Neumann com humano no centro
Pintura de Erich Neumann -The world wheel: mandala com humano no centro

O emprego do método da imaginação ativa, proposto por C. G. Jung, propicia estabelecer uma ponte das imagens do inconsciente para a realidade. Contudo, como o círculo mais próximo de Jung o aplicava, uma vez que se trata de um dos pivôs centrais da Psicologia Analítica Junguiana na visão de estudiosos como Murrey Stein?


Um lançamento recente ajuda a entender melhor a questão. Trata-se de Eternal Echoes: Erich Neumann´s timeless relevance to consciousness, creativity, and evil (Chiron Publications, 2023). A obra é escrita por Nancy Swift Furlotti, analista junguiana do Colorado, nos Estados Unidos, e seu título em português, em tradução livre, seria "Ecos Eternos: a relevância atemporal de Erich Neumann para a consciência, a criatividade e o mal".


O livro registra as imaginações ativas feitas pelo psicólogo Erich Neumann (1905-1960), nascido na Alemanha e radicado em Telavive, Israel. Trinta anos mais novo que Jung, ele foi seu analisando por seis meses em 1934 e seu aluno no C. G. Jung Institute em Zuriche, na Suíça, tornando-se correspondente e amigo do idealizador da Psicologia Analítica. Sua esposa, Julie Blumenfeld, que conheceu aos 15 anos, foi analisanda de Toni Wolff.


É sabido que, no contexto do processo de individuação, Jung estava mais interessado na segunda parte da vida, que começa ao redor dos 35, 40 anos.


Já Neumann trabalhou complementarmente nos estágios iniciais de desenvolvimento do ser humano, ajudando a preencher esta lacuna e facilitando a compreensão do ciclo completo da vida humana. Também foi uma forma do terapeuta, como formador de novos terapeutas infantis , amparar as crianças orfãs que estavam chegando em Telavive após a Segunda Guerra Mundial.


A parte mais interessante da obra Furlotti, para mim, é a reprodução de alguns desenhos resultantes de imaginações ativas que ele fez, que nos permite dialogar com os achados da autora.


Para compreendê-las, é importante lembrar que Neumann era judeu e cursava medicina na Friedrich Willelm University, em Berlin, com a intenção de se tornar psicanalista. Quando chegou à fase da residência clínica, em 1933, contudo, a ascenção nazista o impediu de conseguir um posto de trabalho e ele e a esposa emigratam para a Suíça e, posteriormente, para Telavive.


Em Eternal Echoes, Furlotti apresenta a série de pinturas -- resultado da imaginação ativa de Neumann -- feitas no período de meio de maio de 1936 a 1939 (portanto dos 31 aos 34 anos). E, sim, é fascinante mergulhar no seu mundo interno que chega até nós por meio da mágica dos desenhos.


Para quem está acostumada com a impressionante produção de pinturas de Jung, que pode ser vista no Livro Vermelho, a de Neumann pode parecer a princípio menos sofisticada.


Contudo, a comparação feita por Furlotti permite entender as diferenças do emprego do método da imaginação ativa por dois profissionais do campo.


Neumann produziu 85 pinturas, sendo que 30 contém representações de imagens do feminino. Vamos lembrar que talvez a obra mais conhecida dele no Brasil seja justamente sobre o arquétipo da grande mãe (2006). Já Jung produziu 129 desenhos ao todo e tem apenas 5 contendo mulheres.


Quanto à técnica de pintura, ambos esboçavam as figuras inicialmente com lápis. No entanto, Jung usava guache, que permite combinar cores e fazer retrabalhos. Já Neumann era mais ousado, por assim dizer: ele faiza aquarelas usando cores primárias. Como se sabe, a aquarela seca rápido e não permite retoques.


Já sobre a técnica de desenho, Neumann tendia a deixar suas pinturas simples e planas, enquanto Jung usava perspectiva em alguns desenhos. Para Furlotti, Jung estava usando a função sensação quando usava o método da imaginação ativa -- daí a meticulosidade --, enquanto Neumann deixava livre a emoção, portanto usando a função sentimento.


Finalmente, se Jung foi muito meticuloso na ordem em que fez os desenhos, é difícil saber com certeza a sequência cronológica dos desenhos de Neumann, pois ele não os datava, embora mantivesse um diário sobre sua produção e eventualmente nomeasse algumas pinturas.


Finalmente, Furlotti lembra que ao se observar a série de imaginação ativa de Neumann, pode-se "ver o processo de transformação da psique em ação". Uma vez que é possível intuir a busca dele por suas próprias raízes. Seu pai foi morto por nazistas na rua e sua família e amigos foram gradualmente desaparecendo, o que o levou à tentativa de compreensão do mundo sombrio que estava se desenhando na Europa.


Em comum, estudar ambos casos serve como um exemplo para cada pessoa poder fazer a sua própria sequência de desenhos a partir da imaginação ativa.


Monica Martinez, novembro de 2023


Mandala de Erich Neumann feita com método da imaginação ativa
Pintura de Erich Neumann - The diamond flower inside the sheel: mandada com símbolo do self ao centro

Para saber mais

FURLOTTI, N. S. Eternal Echoes: Erich Neumann’s timeless relevance to consciousness, creativity, and evil. Asheville/NC: Chiron Publications, 2023.

JUNG, C. G. O Livro Vermelho: Liber Novus. 1. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

NEUMANN, E. A grande mãe: um estudo fenomenológico da constituição feminina do inconsciente. 5. ed. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 2006.



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