Dica de filme sobre mães e filhos: Peel/O que ficou perdido
- Monica Martinez

- 7 de set. de 2020
- 3 min de leitura

O título original de O que ficou perdido (Peel, 2019) levou muitos críticos a dizer que se trata de um filme superficial. Afinal, peel em inglês quer dizer casca, como a de uma mexerica.
No entanto, me parece que o diretor Emile Hirsch (o mesmo de Na Natureza Selvagem, 2007) tinha em mente algo mais próximo de filmes como O Fabuloso Destino de Amelie Poulain (2001).
A começar pelas metáforas. Com dois irmãos de cabelos castanhos e a “lenda” de que seria fruto de um caso da mãe com o limpador de piscinas, o protagonista Peel cresceu ouvindo da genitora que teria brotado de uma casca de laranja.
Imagem que teria funcionado até os cinco anos de idade, quando o pai decide partir com os dois irmãos mais velhos (os de cabelos escuros).
Peel segue criado pela mãe amorosa, mas superprotetora e emocionalmente instável. Some-se a isto o fato de ter sido educado em sistema de homeschooling, estudando em casa.
O resultado é que, aos 30 anos, ele tem um coração de ouro e muito pouco treino em contatos sociais. O argumento do filme, portanto, é simples. O que ele vai passar quando a mãe morre inesperadamente e o mundo de Peel muda.
Não deixa de ser uma outra metáfora que o filme traz para o mundo dos millenials, uma vez que muitos dos nascidos entre 1980 e 1995 podem estar vivendo simbólica ou literalmente sob as asas maternas por variados motivos, incluindo os econômicos.
Preste atenção, por exemplo, até que idade Peel diz que foi amamentado, um tópico muito contemporâneo sobre a tendência contemporânea de deixar a criança mamar até quando quiser.
Neste trecho a narrativa do filme fica incerta, como se Peel fosse virar uma daquelas comédias estadunidenses de ingresso na vida universitária, com muitas festas, bebidas e relações líquidas com o outro ou mesmo sexo, dependendo da orientação sexual da/o protagonista.
Mas não se trata de uma comédia estadunidense, mas de um drama leve britânico. Por isso, quem aguentar firme por alguns minutos vai ver que o filme pode ser visto como uma reflexão do que Jung chama de complexo materno.
Em outras palavras, a influência muito forte da mãe, seja por estar muito presente ou ausente. “Uma das principais características do complexo de mãe é o fato de estarmos por demais sob a influência do inconsciente” (JUNG, 2018, p. 27-28).
Ao redor dos sete anos, mais ou menos, a função psicológica de quem represente o princípio masculino na vida do garoto é o de empurrá-lo para o mundo, de encorajá-lo a viver sua própria jornada. No caso ocidental, o próprio sistema de ensino, no primeiro ano, já provê para alguns guris uma “iniciação” neste sentido, com o fim do jardim de infância ou da extensão do “conforto da casa materna”.
Para Jung, no caso do homem, o inconsciente tem caráter feminino, parecendo, então, alegoricamente, “que ele tenha ´engolido´ a mãe. Ou, no caso do filme, ter sido “engolido”, blindado do mundo por ela.
Na vida real, medo e sentimento de culpa seriam “sintomas” de que o processo de adaptação insuficiente em relação à expansão necessária para transcender o círculo familiar em direção ao social.
Mas Peel parece ter recursos internos suficientes para lidar com a nova fase da vida. De seu jeito.
Jung costumava dizer que onde está a fantasia ou o medo está nossa tarefa, o que precisamos fazer para compensar o que bloqueia nosso desenvolvimento do ponto de vista psicológico.
Não vou dar spoiler do que acontece com Peel, pois vale a pena ver o filme. Mesmo que ele seja do tipo de estilo fabuloso como Amelie Poulain. Ou talvez precisamente por conta disso.
Dra. Monica Martinez, psicanalista junguiana
- - - - -
Para saber mais
JUNG, C. G. Cartas de C. G. Jung: volume III, 1956-1961. 1. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.
Serviço
O que ficou perdido. Direção de Emile Hirsch Meirelles. Reino Unido: Sony Pictures, 2019. 1 DVD (101 min.). Disponível em: Apple TV, Google Play, HBO, Now e YouTube.
.png)



Comentários