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A personalidade na sua melhor forma (o self, a cultura indiana e as narrativas)


Na conversa que teve em sua casa em Küsnacht, Suíça, com Miguel Serrano em 1959, então embaixador chileno da Índia, Jung deu uma definição bastante interessante do que entendia ser a melhor expressão de nós mesmos, isto é, de nossa personalidade.


“Acredito que aquilo que chamo de self é um centro ideal, equidistante entre o ego e o inconsciente, e provavelmente equivale à máxima expressão natural da individualidade, em estado de realização da totalidade. Assim como a natureza aspira a se expressar, o mesmo ocorre com o homem e o self é este sonho de totalidade. É, portanto, um centro ideal, algo criado” [1].


Sempre fazendo questão de dizer que se baseava em fatos e experiências, Jung continuou: ““Até agora, não encontrei nenhum centro estável ou definitivo no inconsciente e não acredito que tal centro exista” [2].


Para explicar o self, Jung recorreu a um delicioso mito hindu, no qual a purusha[3] é o self e o atman[4] também pode ser considerado similar a ele. Compartilho aqui minha tradução livre:


Você conhece a história do discípulo que foi visitar seu Mestre para perguntar o que era o atman? O Mestre respondeu: “É tudo”. Mas o discípulo persistiu: “É o elefante do marajá?”. “Sim”, respondeu o Mestre, “você é o atman e também o elefante do marajá o é”. Depois disso, o discípulo partiu muito satisfeito. No caminho de volta, ele encontrou o elefante do marajá, mas não saiu da estrada porque pensou que se ele e o elefante fossem ambos atman, o elefante o reconheceria. Mesmo quando o condutor do elefante gritou para ele se mover, ele se recusou a fazê-lo, e então o elefante o pegou com sua tromba e o jogou para o lado. No dia seguinte, coberto de hematomas, o discípulo mais uma vez chamou seu Mestre e disse: “Você me disse que o elefante e eu éramos ambos atman, e agora veja o que isso me fez”. O Mestre permaneceu perfeitamente calmo e perguntou ao discípulo o que o condutor de elefante havia lhe dito. “Para sair do caminho”, respondeu o discípulo. Você deveria ter feito o que ele disse para você fazer”, disse o Mestre, “porque o condutor de elefantes também é atman[5]



Assim, os hindus têm uma resposta para tudo. Eles sabem muito”.

Concordo com Jung quando ele finaliza a história dizendo “Assim, os hindus têm uma resposta para tudo. Eles sabem muito.” Eles têm. Mas baseada nas minhas duas visitas à Índia em 2014 e 2017, também concordo com Jung quando ele diz que os indianos têm uma forma diferente de perceber a realidade e a si mesmos. Diferente e complementar à nossa do Ocidente.


Para saber mais

MCGUIRRE, W.; HULL, R. F. C. C. G. Jung Speaking: interviews and encounters. New Jersey: Princeton University Press, 1987.


[1] Este e os demais trechos do livro foram retirados de (MCGUIRRE; HULL, 1982, p. 394-395). Do original: “I believe that the thing which I call self is an ideal center, equidistant between the ego and the unconscious, and it is probably equivalent to the maximum natural expression of individuality, in a state of fulfillment of totality. As nature aspire to express itself, so does man, and the self it that dream of totality. It is therefore an ideal center, something created”. [2] Do original: “So far, I have found no stable or definitive center in the unconscious and I don´t believe such a center exists” [3] Dependendo da fonte e do período histórico, pode significar o homem cósmico, a consciência e o princípio universal. [4] Em sânscrito, pode significar alma ou sopro vital. [5] Do original: Do you know the story of the discipline who went to visit his Master to ask him what the atman was? The Master replied, “It is everything”. But the disciple persisted: “Is the Maharaja´s elephant?”. “Yes”, answered the Master, “you are the atman and so is the Maharaja´s elephant”. After that, the disciple departed very satisfied. On his way back, he met the Maharaja´s elephant, but he did not move out of the road because he thought that if he and the elephant were both atman, then the elephant would recognize him. Even when the elephant driver shouted at him to move, he refused to do so, and so the elephant picked him up with his trunk and threw him to the side. The next day, covered with bruises, the disciple once again called on his Master and said, “You told me that the elephant and I were both atman, and now look what it has done to me”. The Master remained perfectly calm and asked the disciple what the elephant driver had told him. “To get out of the way”, answered the disciple. You should have done what he told you to do”, said the Master, “because the elephant driver is also atman”. Thus the Hindus have an answer for everything. They know a great deal.

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