Faz tempo que eu estava com vontade de fazer uma jornada pelas deusas gregas. Como boa acadêmica, pensei em fazer este trajeto a começar por Atena, aquela nascida da cabeça do pai Zeus.
Justifiquei a mim mesma que o projeto seguiria pela ordem alfabética.
Uma forma de não arranjar encrenca com nenhuma deusa. Afinal, a gente sabe pelos mitos o quão furiosa ficam quando passadas para trás.
Por via das dúvidas, folhei o dicionário mítico do começo, do herói Abas.
Qual não foi minha surpresa quando a primeira deusa a surgir foi a gloriosa Afrodite.
Ora, ora, estava eu ali a reviver o desafio de Páris, a escolher entre as olimpianas Afrodite, Atena e Hera.
Começar pela razão ou pela emoção? Entre cabeça e coração, decidi me deixar levar pela mãe de Eros, o belo deus do amor, que simboliza as relações.
Segundo Junito de Souza Brandão, há vários mitos relacionados a ela, “já que ordenar o amor é uma tarefa extremamente difícil” (BRANDÃO, 2014, p. 25).
O grande casamento da deusa do amor foi com Hefésto, o deus ferreiro coxo.
Mas o leito da bela deusa não esfriava quando o marido ia trabalhar nas forjas do Monte Etna, na Sicília. Ares, o deus da guerra, o partilhava na ausência de Hefésto.
Fazia-o com tranquilidade, porque postava Aléctrion de sentinela na porta. Destes amores, nasceram Fobos (o medo), Deimos (o terror) e, para aliviar um pouco a barra, Harmonia.
Tudo ia bem até que certo dia o vigia dormiu e Hélio, o Sol, que tudo vê, surpreendeu os amantes e avisou o marido de Afrodite, que preparou uma rede mágica e prendeu os amantes no leito. Aí começa aquela negociação entre os deuses para que Hefésto soltasse a esposa.
Do ponto de vista psíquico, essa narrativa mítica, segundo Brandão, aborda um dos temas mais profundos da Psicologia Junguiana: a união dos opostos:
No que tange a preferência da deusa do amor pelo deus da guerra, o que trai uma complexio oppositorum, uma conjugação dos opostos, Hefésto sempre a atribuiu ao fato de ser aleijado e Ares ser belo e de membros perfeitos (...). Claro que o deus das forjas não poderia compreender que Afrodite é antes de tudo uma deusa da vegetação, que precisa ser fecundada, seja qual for a origem da semente e a identidade do fecundador. De outro lado, casamento em que os parceiros buscam apenas compensar-se reciprocamente, procurando no outro o que lhes falta, é união fadada ao fracasso. Nem sempre a coniunctio oppositorum gera a coincidentia oppositorum, a identidade de opostos (BRANDÃO, 2014, p. 26)
Em bom português, não se gastaria tanto papel para falar de amor se fosse algo simples de o fazer.
Como boa deusa da fecundidade, Afrodite saiu mundo afora amando deuses, como Hermés, e mortais, como Adônis.
Num certo sentido, ela simboliza aquele aspecto do amor ligado à materialidade, ao desejo e ao prazer.
Por isso o mito da deusa, ainda hoje, nos fala da alegria de viver e das forças vitais, que está na base da nossa vida como humanos. E que as vezes tanto nos faz sofrer. Quem nunca sofreu por amor que atire a primeira pedra.
Para saber mais
BRANDÃO, J. DE S. Dicionário Mítico-Etimológico. Rio de Janeiro: Vozes, 2014.