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Como lidar com os sonhos


Da mesma forma que elaboramos durante o dia narrativas a nosso respeito e das pessoas e do mundo que nos cerca, o funcionamento psíquico continua bem ativo à noite, quando dormimos, porém de modo inconsciente.


Não por acaso, o modo que o inconsciente usa para se comunicar com a consciência é o sonho.


Do ponto de vista teórico, a ampliação de sonhos, como chamamos no campo da Psicologia Junguiana, consiste de forma simplificada em ouvir o relato, acolher associações e, se necessário, elaborar ampliações do conteúdo.


Mas, como o próprio Jung sugere, a expectativa de que o sonho tenha um sentido é teórica. Bem como a de que todo sonho vá complementar algum aspecto obscuro do consciente.


Jung aponta o problema, mas felizmente também uma possível solução ou, melhor, conta como ele lidava com esta questão.


"Para compreender o sentido de um sonho tenho que me ater tão fielmente quanto possível à imagem onírica. Se alguém sonha com uma mesa de pinho, por exemplo, não basta associar-lhe a sua escrivaninha, pela simples razão de que ela não é de pinho. O sonho se refere expressamente a uma mesa de pinho. Suponhamos que nada mais ocorra ao sonhador com relação a isto. Este empacar tem um significado objetivo, pois indica que a imagem onírica está cercada por uma zona especialmente obscura; o divagar, nestes casos, é uma grande tentação. Naturalmente, haveria dezenas de associações possíveis com uma mesa de pinho. O fato, porém, de não lhe ocorrer nenhuma é significativo. Num caso destes, volta-se à imagem novamente e, quanto a mim, costumo dizer aos meus pacientes: “Suponhamos que eu não tenha a menor ideia do que significam estas palavras: ‘mesa de pinho’. Por favor, descreva-me o objeto em todos os seus detalhes e diga-me tudo o que sabe a respeito, inclusive de seu aspecto científico, até eu entender de que objeto se trata”. Procedendo desta maneira, conseguiremos verificar mais ou menos o contexto global da imagem onírica. Só depois de repetir o mesmo com todas as imagens do sonho é que podemos arriscar-nos a iniciar a sua interpretação. Toda interpretação é uma mera hipótese, apenas uma tentativa de ler um texto desconhecido" (JUNG, 2022, posição 317-318).


Por isso, segundo Jung, "quando se trata de analisar sonhos, costumo prescindir da teoria, toda vez em que isso é possível. Não posso abrir mão dela totalmente, porque um pouco de teoria sempre é necessário à clara apreensão das coisas" (JUNG, 2022, posição 289).


Os profissionais que trabalham com clínica na perspectiva junguiana em geral estudaram muito para se sentirem confortáveis em seguir a recomendação de Jung.


Aqui, vale a metáfora do domínio de uma bicicleta. Tem muito treino antes, mas na hora de andar se a pessoa ficar presa na teoria, pode se atrapalhar na prática.


Afinal, no campo do estudo dos sonhos, se está diante do desconhecido. E "existem sonhos que simplesmente não são compreendidos nem pelo médico, nem pelo paciente" (JUNG, 2022, posição 294). Neste caso, pela minha experiência, é preciso fazer paciência e aguardar os próximos sonhos. Que em geral ajudam a compor a narrativa onírica de forma mais clara.


Referências

JUNG, C. G. A aplicação prática da análise dos sonhos. In: Ab-reação, análise dos sonhos e transferência (OC 16/2), Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.


Jung, C.G., 1875-1961 O indivíduo moderno em busca de uma alma / C.G. Jung. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2022, Livro eletrônico.

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