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Quando a psicologia e a mitologia se encontram


Estava relendo o livro de Phil Cousineau, Joseph Campbell -- vida e obra, quando me deparei com esta encantadora história do encontro de Campbell com Jung:


"Há muitos anos atrás [em 1954], tive o grande prazer de ser convidado, com minha mulher, para um chá com o dr. Jung e a senhora Jung. Foi na casa dele, em um lugar fora de Zurique chamado Bollingen, que deu nome à Fundação Bollingen. Fica na extremidade do lado de Zurique.


Ficamos hospedados em um hotelzinho encantador que tinha vista para esse pedaço da região. Quando chegou a hora de ir à casa dos Jung, entrei no meu carro e tomei a estrada, procurando Bollingen. Dirigi umas duas milhas e resolvemos perguntar a uns camponeses que estavam perto da estrada: "Bitte, wo ist Bollingen?" [Por favor, onde fica Bollingen?].


"Bollingen is hier entlang." ["Bollingen é aqui ao longo do lago."]


Dei à volta e quando encontrei outra pessoa perguntei: "Bitte, wo ist Bollingen?"


"Bollingen is hier entlang."


E foi assim que finalmente chegamos ao lugar onde havia uma estradinha lateral. Seguimos por ela e cruzamos uma linha de trem. Os trens suíços são silenciosos e velozes e mal havíamos cruzado a linha -- zumm! -- o trem passou bem atrás de nós. Eu disse a Jean: "Nós atravessamos as Simplégades [na lenda de Jasão e os argonautas, duas pequenas ilhas rochosas que impedem a passagem de qualquer coisa entre elas]. Nós atravessamos o Klappfelsen! Agora estamos na Terra santa!".


Subimos até o lugar onde ficava o castelinho erigido por Jung com suas próprias mãos, um castelo de pedra que fazia parte da obra empreendida por ele para descobrir qual era sua mitologia particular. Descemos do carro e começamos a subir pela trilha, mas tanta gente já havia passado por ali que a trilha estava demasiadamente gasta para indicar o caminho para a porta da casa. Eu não sabia como entrar.


Bem, Jean sabe como fazer as coisas e acabou por descobrir uma campainha e tocá-la. Entramos e fomos saudados pelo dr. Jung e sua mulher. Tomamos chá com ele e eis o caráter do homem: nada de "Herr, Doktor, Professor" [Senhor, doutor, professor]. Era simplesmente um anfitrião encantador. Não tive problema algum com ele, pois naquela época eu já havia publicado quatro volumes da obra de Heinrich Zimmer. Jung era amigo de Zimmer e publicara uma de suas obras em alemão. Éramos então coeditores, por assim dizer, das obras de Zimmer.


Eu estava de partida para a Índia e Jung me disse: "Bem, o senhor está de partida para a Índia. Deixe-me explicar o significado da sílabra OM".


Eu pensei: "Está bem...!


Ele disse: "Quando estive na África nosso grupo foi dar um passeio e ficou perdido. Dali a pouco percebemos que estávamos rodeados por um grupo de jovens guerreiros que se mantinha sobre um pé só, carregando lanças, e tinha umas coisas enfiadas no nariz. Não sabíamos quem eram. Eles não sabiam quem nós éramos. Ninguém podia falar a língua de ninguém.


"E", continuou Jung, "depois de um momento bastante embaraçoso e confuso, todos nós nos sentamos. Olhamos uns para os outros e, afinal, quando nos sentimos confortáveis e tudo parecia ir bem, o que é que eu ouço? Eu ouço: OM, OM, OM."


"Então", continuou ele, "dois anos mais tarde eu estava na Índia com um grupo de cientistas e, se há algum grupo de pessoas que não é suscetível à experiência do maravilhar-se, é esse. Fomos ao Darjeeling e ao Tiger Hill. Tivemos de sair de manhã bem cedo, antes da aurora, e fomos transportados até o cimo da colina. Não se tem ideia do que vai ser visto. Está escuro. Então aparece o Sol e uma infinidade de picos do Himalaia, cobertos de neve, explodindo em cores do arco-íris. E o que é que eu ouço dos cientistas? OM, OM, OM."


E Jung finalizou: "OM é o som que a natureza faz quando está em harmonia consigo própria".


Eu pensei: "Isso foi muito bom". E foi assim que parti para a Índia.


Jung era uma pessoa maravilhosa de se estar junto. Isso é tudo o que posso dizer dele".


Referência

COUSINEAU, P. (ED.). A jornada do herói: Joseph Campbell: vida e obra. São Paulo: Ágora, 2003, p. 79-80..



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